domingo, 15 de março de 2009

Fracasso de público na maior galeria do mundo


Monumentalidade e reflexões sobre o efêmero são destaques de espaço que, apesar de jamais cobrar ingresso, segue ignorado solenemente por público adulto

A política da galeria é puro marketing de guerrilha. Visitas gratuitas desde sempre e para sempre, ausência proposital de curadores e um horário de abertura no mínimo exótico: funciona 24 horas por dia. Mesmo assim o raro jogo de formas, texturas e cores em exibição na maior galeria de que jamais se ouviu falar não atrai os olhos do grande público. Especialistas em instalações acreditam que a galeria das nuvens, apesar de estar bem em cima de nossas cabeças, fracassa porque hoje, mais do que nunca, adultos olham para frente - jamais para o alto.

Mas nem todos deixaram de lado o único passatempo que não se repete nunca. Para esses, aliás, a atividade é mais que passatempo. "Acreditamos que nuvens são para sonhadores, e contemplá-las faz bem a alma", afirma o jornalista e escritor inglês Gavin Pretor-Pinney no manifesto da Sociedade de Apreciação de Nuvens.

Essa curiosa associação já registra 1.200 membros (isso em 2005 quando escrevi esse texto, agora são 14.313!!!), a maioria no Reino Unido, mas também na Nova Zelândia, Holanda, Estados Unidos, Argentina e Brasil. Eles recebem certificado, emblema e uma missão: difundir o hobby que é uma das mais antigas formas de contemplação do homem.

Sua principal arma: publicar no site da entidade fotos incríveis, capazes de converter
qualquer um em observador de nuvens. "Se mais pessoas estivessem atentas aos humores da atmosfera, compreenderiam melhor como o mundo funciona", acredita Gavin, que no ano passado viajou até os confins da Austrália para observar uma nuvem única. A Morning Glory forma-se na primavera e pode chegar a milhares de quilômetros quadrados de extensão. Com sua forma de rolo, essa gigante viaja a 60 km/h, atraindo gente que, como Gavin, a "surfam" em aviões planadores.

Bem antes desse "esporte" pouco conhecido, sociedades antigas que sobreviviam da terra sempre estiveram de olho nas alturas. E mesmo o homem do campo contemporâneo, antes dos problemas de aquecimento global ficarem tão evidentes, olhava para cima antes de lançar a semente ao solo.

Mas o ritmo da cidade nos faz esquecer essa simples diversão. É verdade. Quer ver? Olhe de novo as fotos que você tirou naquele passeio ao sítio de um amigo no final de semana. Ou na primeira viagem a uma praia ou montanha. Há grande chance de haver alguma que destaque o céu. Se houver, você já pode se considerar um pretenso membro da Associação de Apreciadores de Nuvens.

Isso mostra nosso pendor natural para adorar os altos-cúmulos, aquelas nuvens que formam o "céu encarneirado". "Mas nem sempre é preciso dar nome às coisas, às vezes é melhor apreciá-las sem compreendê-las", lembranos Gavin, que está escrevendo um livro sobre o tema.

Se uma das características mais surpreendentes das nuvens é a abstração em movimento, então de fato o melhor é olhar, e nada mais. Olhá-las sempre. Sair no fim de semana e deixar um recado na geladeira: "Estou nas nuvens". Olhá-las obriga a parar. Reduzir o ritmo. Respirar. Aos poucos, a leveza com que vão e vêm envolve. E aí, depois que os pés saem do chão e desaceleramos, enxergamos sua grandiosidade. A grandiosidade da natureza, que nesse caso lembra delicadamente nossa finitude e pequenez.

O poeta Ralph Waldo Emerson (1803-1882) via o céu como a maior galeria de arte. Portanto, reverenciar as nuvens é um elogio à criatividade, à sensibilidade, ao desprendimento. 


Espetáculo sem fim

À noite, apesar de as nuvens ainda estarem em cena, os atores principais do céu são as estrelas, planetas, cometas. O espetáculo dessa trupe tem encantos diferentes dos iluminados pelo Sol.

Para vê-los bem de perto, uma vez por mês o Observatório Astronômico Frei Rosário, da Universidade Federal de Minas Gerais, aponta seus telescópios para o espaço e abre suas lentes ao público. Atrai dezenas de pessoas que vão até lá ficar mais perto das estrelas.

O observatório fica na Serra da Piedade, em Caeté, há 50 quilômetros de Belo Horizonte. Do alto de seus quase 1.800 metros, a vista é deslumbrante a qualquer hora do dia. Mas nas noites de observação astronômica formamse insuspeitas filas diante de telescópios profissionais e amadores.

Aos poucos, pais e filhos, amigos, casais de namorados ou solitários vão descobrindo um universo inacessível a olho nu. Lá, os telescópios ultrapassam a camada de luz artificial e poluição que encobrem o céu das cidades. E provam que, visto assim, o céu é sempre uma novidade excitante.

Apontar nossa visão para o alto é também olhar para dentro. A dinâmica do céu é espetáculo que não tem intervalos, verdadeiro convite ao deslumbramento. E lembre-se: 24 horas por dia, a entrada é franca.

VISITA GUIADA:
. Conjuntos visíveis de partículas minúsculas de água ou gelo, ou de ambos, suspensos na atmosfera. É assim que a ciência explica as nuvens.

. A mesma nuvem é vista de várias maneiras. Além da quantidade e cor de luz que ela recebe, depende de onde você a observa.

. Os dez tipos básicos de nuvens são: cirro, cirro-cúmulo, cirro-estrato, altoestrato, alto-cúmulo, estrato, estrato-cúmulo, nimbo-estrato, cúmulo e cúmulo-nimbo.

. Nuvens são vistas de qualquer lugar. Mas sempre que puder, busque espaços amplos e abertos, que permitam uma visão mais grandiosa.

. Belas mudanças de cores das nuvens ocorrem próximas ao pôr-do-sol, um dos momentos mais propícios para largar tudo e olhar para cima.

"Nuvens são a manifestação mais igualitária da natureza, já que todos podem dispor de sua fantástica visão."
Do manifesto da Sociedade de Apreciadores de Nuvens

"Olhe para cima, maravilhe-se com a beleza efêmera, e viva a vida com a cabeça nas nuvens!"
Do manifesto da Sociedade de Apreciadores de Nuvens

"Acreditamos que nuvens são para sonhadores, e contemplá-las faz bem a alma."
Do manifesto da Sociedade de Apreciadores de Nuvens

"O céu é a maior galeria de arte"
Ralph Waldo Emerson (1803-1882), poeta

"É estranho como as pessoas em geral sabem tão pouco sobre o céu. Trata-se da parte da criação em que a natureza fez mais para agradar o homem, com o propósito único e evidente de falar-lhe e ensinar-lhe, do que em todas as suas outras obras. E é exatamente a parte à qual prestamos menos atenção."
John Ruskin (1819-1900), escritor e crítico 


PARA VIAJAR
Instituto Nacional de Meteorologia http://www.inmet.gov.br/
Observatório Astronômico Frei Rosário (UFMG) http://www.observatorio.ufmg.br/
Sociedade de Apreciação de Nuvens http://www.cloudappreciationsociety.org/

(2005, enquanto olhava para o céu)

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